sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Simbologia da Água


Água
Verbete extraído do Dicionário de Símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Ed. j. Olympio

As significações simbólicas da água podem reduzir-se a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência. Esses três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as mais variadas combinações imaginárias - e as mais coerentes também.

As águas, massa indiferenciada, representando a infinidade dos possíveis, contêm todo o virtual, todo o informal, o germe dos germes, todas as promessas de desenvolvimento, mas também todas as ameaças de reabsorção. Mergulhar nas águas, para delas sair sem se dissolver totalmente, salvo por uma morte simbólica, é retornar às origens, carregar-se de novo num imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova: fase passageira de regressão e desintegração, condicionando uma fase progressiva de reintegração e regenerescência.

As variações das diferentes culturas sobre os temas essenciais nos ajudarão a melhor apreender e aprofundar, sobre um fundo quase idêntico, as dimensões e os matizes dessa simbologia da água.

Na Ásia, a água é a forma substancial da manifestação, a origem da vida e o elemento da regeneração corporal e espiritual, o símbolo da fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da virtude. Fluida, sua tendência é a dissolução; mas, homogênea também, ela é igualmente o símbolo da coesão, da coagulação. Como tal, poderia corresponder à sattva; mas, como escorre para baixo, para o abismo, sua tendência é tamas; como se estende na horizontal, sua tendência é ainda rajas.

Origem e veículo de toda vida: a seiva é água, e em certas alegorias tântricas, a água representa prana, o sopro vital. No plano corporal, e por ser também um Dom do céu, ela é um símbolo universal de fertilidade e fecundidade. A água do céu faz o arrozal, dizem os montanheses do sul do Vietnã, sensíveis, também cumpre dizê-lo à função regeneradora da água, que consideram medicamento e poção de imortalidade.

Da mesma forma, a água é o instrumento da purificação ritual. Do Islã ao Japão, passando pelos ritos dos antigos fu-chuel taoístas (senhores da água benta), sem esquecer a aspersão dos cristãos, a ablução tem papel essencial. Na índia e no Sudeste Asiático, a ablução das estátuas santas - e dos fiéis - (sobretudo no Ano-Bom) é, ao mesmo tempo, purificação e regeneração. A natureza da água leva-a à pureza, escreve Wan-tse. Ela é, ensina Lao-tse, o emblema da suprema Virtude (Tao,cap.8). É, ainda, o símbolo da sabedoria taoísta, porque não tem contestações. É livre e desimpedida, corre segundo o declive do terreno. É a medida, pois que o vinho forte demais deve ser misturado com água, mesmo em se tratando do vinho do conhecimento.

A água, oposta ao fogo, é
yin. Corresponde ao norte, ao frio, ao solstício do inverno, aos rins, à cor negra, ao trigrama K'an, que é o abissal. Mas, de outro modo, a água está ligada ao raio, que é fogo. Ora, se a redução à Água dos alquimistas chineses pode ser muito bem considerada como uma volta ao começo, ao estado embrionário, diz-se também que essa água é fogo, e que as abluções herméticas devem ser entendidas como purificações pelo fogo. Na alquimia interna dos chineses, o banho e a lavagem poderiam bem ser operações de natureza ígnea. O mercúrio alquímico, que é água, é às vezes qualificado como água ígnea.
Observemos, ainda, que a água ritual das iniciações tibetanas é o símbolo de votos, dos compromissos assumidos pelo postulante. A água, como, aliás, todos os símbolos, pode ser encarada em dois planos rigorosamente opostos, embora de nenhum modo irredutíveis, e essa ambivalência se situa em todos os níveis.
A água é fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora.

Na Bíblia, os poços no deserto, as fontes que se oferecem aos nômades são outros tantos lugares de alegria e encantamento. Junto das fontes e dos poços operam-se os encontros essenciais. Como lugares sagrados, os pontos de água têm papel incomparável. Perto deles, nasce o amor e os casamentos principiam. A marcha dos hebreus e a caminhada de todo homem na sua peregrinação terrena estão intimamente ligadas ao contacto exterior ou interior com a água. Esta se torna, então, um
centro de paz e de luz, oásis. A Palestina é uma terra de torrentes e de fontes. Jerusalém é regada pelas águas tranquilas de Siloé. Os rios são agentes de fertilização de origem divina, as chuvas* e o orvalho trazem consigo a fecundação e manifestam a benevolência divina. Sem água, o nômade seria imediatamente condenado à morte e crestado pelo sol da Palestina. Assim, a água que ele encontra no caminho é comparável ao maná celeste: desalterando-o, ela o alimenta. É por isso que se reza pedindo água, pois é ela objeto de súplica. Que Deus escute o grito do seu servo, que lhe envie os seus aguaceiros, que faça encontrar os poços e as fontes. A hospitalidade exige que se apresente água fresca ao visitante, que seus pés sejam lavados, a fim de assegurar a paz do seu repouso. Todo o Antigo Testamento celebra a magnificência da água. O Novo receberá esse legado e saberá utilizá-lo. É muito natural que os orientais tenham visto, assim, a água, primeiro como um sinal e um símbolo de bênção: pois não é ela que permite a vida?

A água se torna o símbolo da
vida espiritual e do Espírito, oferecidos por Deus e muitas vezes recusados pelos homens. A água viva, a água da vida se apresenta como um símbolo cosmogônico. E porque ela cura, purifica e rejuvenesce, conduz ao eterno.
Segundo Gregório de Nissa, os poços conservam uma água estagnada.
Mas o poço do Esposo é um poço de águas vivas. Ele tem a profundeza da cisterna e a mobilidade do rio, o que não deixa de ter relação com o texto de Lorca citado acima.

A água, possuidora de uma virtude lustral, exercerá ademais um poder soteriológico. A imersão nela é regeneradora, opera um renascimento, no sentido já mencionado, por ser ela, ao mesmo tempo, morte e vida.
A água apaga a história, pois restabelece o ser num estado novo. A imersão é comparável à deposição do Cristo no santo sepulcro: ele ressuscita, depois dessa descida nas entranhas da terra. A água é símbolo de regeneração: a água batismal conduz explicitamente a um novo nascimento , é iniciadora. O pastor de Hermas fala daqueles que
desceram à água mortos e dela subiram vivos. É o simbolismo da água viva, da fonte de juventa. O que tenho em mim, diz Inácio de Teóforo (segundo Calisto), é a água que opera e fala. Sabe-se que a água da fonte de Castália, em Delfos, inspirava a Pítia. A água da vida é a Graça divina. Os cultos são deliberadamente concentrados em torno das nascentes de água. Todo lugar de peregrinação comporta seu olho d'água, sua fonte. A água pode curar em razão das suas virtudes específicas. No curso dos séculos, a Igreja se levantou muitas vezes contra o culto prestado às águas.

A devoção popular considerou sempre o valor sagrado e sacralizante das águas. Mas os desvios pagãos e a volta das superstições constituíam, sempre uma ameaça. A magia espreita o sagrado para pervertê-lo na imaginação dos homens. Se as águas precedem a criação, é evidente que elas continuam presentes para a recriação. Ao homem novo corresponde a aparição de um outro mundo. Em certos casos, e já o dissemos no começo deste verbete, a água pode fazer obra de morte.
As grandes águas anunciam, na Bíblia, as provações. O desencadeamento das águas é o símbolo das grandes calamidades.

Símbolo da dualidade do alto e do baixo: água de chuva – água do mar. A primeira é pura; a segunda, salgada. Símbolo de vida:
pura, ela é criadora e purificadora, amarga, ela produz e maldição. Os rios podem ser correntes benéficas ou dar abrigo a monstros. As águas agitadas significam o mal, a desordem.

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